"Quando eu fui trabalhar em uma escola onde eu havia sido aluna 11 anos antes, eu vi os jovens recusando a escola e eu demorei pra entender que a recusa era por causa dessa artificialização produzida pela escola, a maneira, muitas vezes, como a escola trabalha a escrita não reconhece a escrita como uma prática social. A escrita faz parte da nossa vida o tempo todo, a gente está escrevendo o tempo todo, nós somos chamados à autoria o tempo todo, mas se eu crio um contexto escolar em que o aluno é chamado a copiar, repetir, reproduzir, quando é que ele vai se tornar autor?"
É com essa fala potente da professora e idealizadora do projeto Mulheres Inspiradoras, Gina Ponte, que iniciamos a nossa discussão em torno de um assunto tão importante: a escola está trabalhando a escrita apenas de forma didática, como manda a grade curricular, ou a bagagem do aluno está sendo considerada nessa equação?
Equilibrando os pratos
Parece óbvio, mas sabemos o quanto coordenadores pedagógicos estão imersos nas burocracias e demandas do dia a dia, o que acarreta, por muitas vezes, em passar batido, ainda que não intencionalmente, nas experiências, vivências, no repertório, no meio, na diversidade, na classe, nas histórias dos alunos. Estes são elementos indispensáveis na construção de um ser humano pensante, letrado e capaz de desenvolver a sua autoria como indivíduo no mundo todos os dias.
E com a tecnologia é a mesma coisa. É preciso entender todos os elementos citados acima antes de “impor” que alunos e professores devam começar a usar novos aplicativos, plataformas ou programas, deve-se levar em conta o letramento digital de todos os envolvidos na ideia e, aos poucos, com treinamento e aprendizado, todos estarão preparados para lidar com as novidades que vierem para otimizar o dia a dia.
Tudo o que dissemos até aqui tem a ver com esse processo de construção da própria autoria, um processo que convida o aluno a ser cada dia mais autor, que instiga, que dá vontade de desenvolver mais e mais, de conquistar. Impor é afastar, é como na psicologia reversa, quanto mais eu “decreto” que tal coisa “deve” ser feito, menos ela será.
LetrarTech: o poder da autoria e da tecnologia
Durante o LetrarTech, evento realizado pela Letrus, que trouxe como tema central o poder da autoria na ressignificação da escola na era da inteligência artificial, a fala da Janine Rodrigues, CEO do Piraporiando, diz muito sobre esse assunto:
"As vezes eu tenho a sensação de que está acontecendo com a tecnologia o que também acontece com a escrita. Norma culta ou norma oculta da língua? Quem tem acesso à norma culta? Um estudante que escreve 'nóis entrou, nóis foi, nóis disse' e que tem o direito de aprender dentro de uma norma culta, sem romantização dessas coisas que são vistas como erradas, mas a gente só amassa a prova dele e joga fora? Ou a gente entende que de alguma forma existe um pensamento, uma autoria, uma riqueza naquilo que ele fez? E aí a gente abre a porta e depois que a gente abre a porta a gente tem a oportunidade de trazer pra esse aluno outras possibilidades, outras construções da língua que é dele, que pertence a ele. E com a tecnologia é a mesma coisa. Enquanto a gente usar um vocabulário, seja escrito ou de ações, de algo que amedronta e afasta, essa porta vai ficar fechada"
Na sociedade como um todo, existem muitos elementos que são responsáveis pelos altos números da evasão escolar e eles vêm de todos os lados, a escola em si não deve ser mais um motivo, a escola, aliás, pode ser a ferramenta de mudança na vida de um estudante que passa por uma fase confusa e difícil. E é aqui que entra o processo de autoria como prática social, com a vida daquele aluno fazendo parte de quem ele é.
A professora Gina é certeira quando diz que o afastamento do estudante da escola e, consequentemente, do seu eu autor, começa antes da chegada ao ensino médio:
"No ensino fundamental 2, em especial, os estudantes passam a maior parte do tempo fazendo cópia, do livro didático, do quadro, da apostila e depois a gente fica surpreso quando, no ensino médio, eles não construíram autoria."
Insistir em uma educação apartada das novas tecnologias é preparar os jovens para um mundo que não existe mais. A tecnologia está aí, ela já entrou na escola, cabe a nós, educadores, continuar acreditando que a educação é a melhor saída para o desenvolvimento e reconhecimento dos próprios alunos como peças chave na sociedade.
Em uma união certeira entre educação e tecnologia, o nosso papel é fazer com que os jovens se desenvolvam e estejam preparados para o mundo real atual, um mundo que está cada vez mais imerso nas novas tecnologias, como aconteceu um dia com a digitalização dos nossos documentos após a popularização dos computadores, ou ainda com a “aposentadoria da Barsa” após a chegada da internet. Nem sempre estamos prontos, dá medo, mas cá estamos nós, não é mesmo?
A educação, em toda a sua didática, é a peça fundamental para construir um mundo mais igualitário, pensante e letrado.É nisso que nós acreditamos. Vamos juntos?